quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pequeno Deus das coisas perdidas

O pequeno Deus das coisas perdidas se mostra como uma senhora idosa, carregando um balde de água em uma mão, um esfregão na outra.
Geralmente aparece para o crente em aeroportos, shopping-centers ou hotéis, enquanto este procura desesperadamente algum objeto perdido.
Imediatamente o crente deve se aproximar do pequeno Deus das coisas perdidas e fazer-lhe adulações, lamentos e orações. Uma oferenda também ajuda nestes casos.
Às vezes o crente é recompensado encontrando o objeto perdido. Noutras vezes é recompensado com um ensinamento, mais valioso do que qualquer objeto que tenha perdido.
Todos crentes, por mais que tentem evitar, um dia encontrarão com o pequeno Deus das coisas perdidas.

quarta-feira, 18 de março de 2009

O pequeno Deus da Comparação

Todos no mundo reconhecem o belo como Belo e,
desta forma, sabem o que é o Feio.
Todos no mundo reconhecem o bem como o Bem e,
desta forma, sabem o que é o Mal.
Assim, o ser e o não-ser geram-se mutuamente.
O longo e o curto se delimitam;
O alto e o baixo se inclinam;
O tom e o som se harmonizam;
O antes e o depois se seguem um ao outro.
(Tao, Lao-Tsé, Livro I)
Dentro do Sagrado Panteão de Pequenos Deuses há o pequeno Deus da Comparação, que em uma mão carrega uma folha branca e, na outra, uma folha negra. Toda vez que este pequeno Deus age, primeiro coloca a folha branca atrás de um fato ou objeto e, em seguida, faz o mesmo com a folha negra.
Não que pensar nas coisas seja o forte do pequeno Deus da Comparação; ao contrário, dedica sua existência a mostrar o contraste e a diferença entre as coisas, tornando-as mais complicadas de se escolher!

O Destino

De todos os Deuses, Destino é aquele que tem os olhos negros mais insondáveis. Em comparação com aquilo que é simplesmente escuro, os olhos doDestino ainda são infinitamente mais negros, afinal de contas são a ausência total de qualquer coisa.
Se enganam aqueles que pensam que o Destino (Louvado Seja Seu Nome) é um Deus de grande porte, com barba branca e, talvez, um tridente. Destino é muito baixinho, bigodudo e com cara de sacana. Aliás, ele sequer é um só, porque existe um Destino para cada pessoa.
Certos magos da Sacra Goliae Conphraternita, depois de anos de estudos sondando o insondável, sacrificando dúzias de loiras virgens e estupidamente geladas, adquirem a habilidade de visualizar o Destino (LSSN) de cada um, especialmente após um período onde ocorreu grande quantidade de sacrifícios. Em geral estão atrás das pessoas, caminhando entediados, como se tivessem as mãos nos bolsos (se tivessem bolsos, claro).
Os dois mais competentes magos da SGC especializados em Destino, Nostradamus e Mãe Dinah, concordam em um ponto:
  • Se vc observar um destino sorrindo, é porque ele veio ou vai à uma grande convenção. Saia de perto do infeliz pagão donodeste Destino, rápido!
As grandes convenções de Destino são realizadas em geral nos desastres de maiores proporções:
  • Na queda do Hindenburg foi promovido um grande churrasco de Destinos, ao qual logo se juntaram a tripulação, os passageiros e alguns Deuses mais assanhados, como a Morte;
  • Evento mais animado que este, só aquele promovido durante a Queda de Pompéia, se bem que dizem que o tempo ficou nublado a maior parte do dia.
Apesar de pequenino, o Destino (LSSN) muitas vezes estica o pé com o intuito de derrubar o pagão. Dai vem o dito popular "tomou um rastapé do Destino".
Destino tem, ainda, uma versão "aderente à calcinha", conhecida como Karma. Este é sem dúvida o Destino mais completo, porque não acompanha o pagão em apenas uma, mas em várias encarnações.
Dizem que Destino é filho de uma aventura do Deus Acaso (Louvado Seja SeuNome) com a Deusa da Sorte (Louvado Seja Seu Nome). Outros, dependendo do tipo de destino que lhes é destinado, afirmam taxativamente que o Destino é filho do Acaso (LSSN) com a Deusa do Azar (LSSN).
Outros pagãos ainda, especialmente aqueles que perdem o senso do perigo, dizem que o Destino é um filho da P@#$$#$%%$#, isto sim! Geralmente estes últimos pagãos não duram para ver o outro dia. No panteão sagrado da SGC uma coisa é certa: eles tem um serviço de atendimento ao consumidor MUITO atento...
Qualquer reclamação é atendida na hora pela Deusa Morte.

Sagrado Panteão de Pequenos Deuses

Em se tratando de Deuses, temos que andar com cuidado.
Existem pessoas que admitem apenas um e super-poderoso Deus, que tudo vê, tudo pode, tudo tudo. Não é uma escolha inteligente!
Um Deus médio, com médios poderes é confusão de bom tamanho para o crente. Imagine se num deslize, humano, humano, o crente desagrada o Deus médio? Já imaginou um Deus com médios poderes entrando em sua casa, zangado, quebrando tudo (especialmente você)? Pois se um Deus médio é confusão grande, um Deus único e super é absolutamente temerário.
O crente realmente sábio opta por um panteão de pequenos Deuses.
Assim a Sacra Goliae Conphraternita, mediante módica quantia mensal, oferece para seus seguidores um panteão repleto de pequenos Deuses, capazes de suprir todas as necessidades do crente mais exigente.
Denominamos nossa escola religiosa de Politeismo Esclarecido (ou Paganismo Científico).
Bem-vindo e coloque o dízimo no débito em conta, por favor.

A Doutrina

Estando curiosos sobre a doutrina da Sacra Goliae Conphraternitas, seria correto dirigir-se aos mestres.
Depois de fazer o copo de cerveja confessar que vazou sozinho já mais de vinte litros de cerveja, o Imponderável Re-K-Nello levanta os olhos vermelhos, abre a boca e, deixando entrever a língua pastosa pelo ritual, diz:
"Eeeiu pdriaa a discher quió..." (faremos a tradução simultânea da sagrada linguagem filosófica peripatética parada, para melhor compreensão...) "Amigo, Irmão, chegue e sê bem-vindo! No início, em verdade, ponderamos muito sobre a natureza humana, sobre as questões fundamentais da Existência, da Felicidade, da Natureza, da Vida, do Universo e de Tudo Mais."
Você perguntaria sobre o nome da escola, peripatéticos parados.
"Em verdade, Irmão, o nome de nossa escola vem do fato de ministrarmos nossas aulas durante caminhadas – responderia Lord K-Rion. É determinado por nossos rituais que, após o sacrifício de cada dúzia de loiras virgens e estupidamente geladas, devemos prestar homenagem ao Deus do Trabalho (LSSN). Assim, vamos ao Templo WC (Work God – a letra G perdeu um pedaço) e ofertamos todas as loiras geladas que consumimos, devidamente processados pelo nosso organismo. Ainda em respeito ao Deus Trabalho (LSSN), proferimos o sagrado mantra: 'uffff – ahhhhh'. Na volta do Templo, entre sua porta e esta mesa, falamos o que achamos sobre o Trabalho e o Vagabundismo Esclarecido. Então, peripatético vem desta longa caminhada, e parado, porque temos que parar e sacrificar mais loiras geladas!"
"Nossa relação com o Deus Trabalho – diz o Imponderável Re-k-Nelo – é bela e complexamente difícil. Este Deus é muito poderoso e, por isso, não podemos, nem queremos, ocupar muito de seu tempo. Portanto, deixamos a maior parte de nosso trabalho para outros. Tão modestos somos que fazemos questão de que todos os demais pensem que estamos ocupando muito o Deus Trabalho (que somos egoístas), mas em verdade mantemos ele ocupado só com nossas oferendas no templo. Apresentamo-nos diante do Deus Trabalho (LSSN) apenas com o indispensável para que os outros achem que somos muito devotos, apenas com o suficiente para termos acesso ao sagrado recolhimento mensal de verbas (aleluia, salve o santo salário!). Assim, e eventualmente, até nos devotamos ao Deus Trabalho quando é necessário, louvando o que seria nossa parte e até a parte dos outros, mas para que, no futuro, possamos, finalmente, deixar toda atenção do Deus Trabalho para nossos colegas amados!"
Então, Irmão ou Irmã, se lhe agrada a filosofia do Vagabundismo Esclarecido, procure uma cadeira, sente longe do irmão Rinus, o Sungulinus e pegue uma loira gelada para o sacrifício.

O Liceu

Em lindos jardins, entre a luxuriosa natureza por onde sopram ventos temperados com o cheiro dos salgueiros, homens sábios de barbas brancas trilham caminhos de seixos já gastos pelos pés dos alunos que os ouvem atentamente. Falam sobre a natureza, o homem, a metafísica e a busca da felicidade. De tempos em tempos param,olhando fixamente as nuvens no céu azul, tentando descobrir o poema secreto escrito pelos Deuses. Ali chegando em busca do Liceu da Sacra Goliae Conphraternita, o porteiro do parque terá a bondade de indicar para que você vá...
...Ao outro lado da cidade, a um bar de paredes que um dia foram caiadas, próximo do porto, mais precisamente instalado abaixo de um bordel que fica no andar de cima e ao lado de um curtume.
Tente entrar.
O cheiro não é o que se pode chamar de perfume da natureza. Apesar desta impressão, boa parte do odor vem de coisas que morreram de causas naturais.
Ahhhhhh!
Sinta o perfume das famosas cebolas envoltas por fatias de peixe frito em conserva, que antes de estarem dentro de um balcão aquecido por uma ou duas semanas tinham uma vaga lembrança de como era o mar.
Os tipos mais estranhos estão desmoronados por aqui e por ali; alguns apoiados no balcão apenas pela barriga protuberante, desacordados por dias; outros aproveitam os muitos pontos onde a iluminação não existe mais, por terem as lâmpadas queimado ou por terem sido arrancadas pelos fregueses, para transações duvidosas com as moças que ocupam o andar de cima.
Bem próximo ao balcão você verá uma mesa especial. Além do fato de ser a única que possui quase todas as pernas e algumas cadeiras com encosto, um grande sujeito, de cabeça totalmente raspada, encara um copo de cerveja como se tentasse fazê-lo confessar algum crime. Outro coça ambas as orelhas simultaneamente, como que admirado pela própria habilidade ou pelo conteúdo extraído. O primeiro é o Imponderável Re-K-Nelo; o segundo, o Sublime Lord K-Rion, divulgadores da mais revolucionária doutrina metafísica desde Aristóteles, o Vagabundismo Esclarecido.
Na mesa, dedicados às tarefas pensativas prescritas pelos mestres, vêem-se os alunos Tortugos, o Quelonicósmico, com a barriga de fora, tentando sincronizar o umbigo para dublar o amigo Azed-Ume, o Cítrico, que canta Eduardo e Mônica de trás para frente e fazendo as vozes da canção junto com a irmã Femilli, a portadora da sagrada cerveja. Novo discípulo na escola, Cidharta, o Brahma-chopp das Índias Orientais tenta fazer, com seu umbigo, o acompanhamento em backing-vocals da melodia.
Em diversos graus de consciência se vêem outros discípulos: Duasflor, o cor-de-rosa, numa conversa animada com o espelho, onde faz a afirmação, a réplica e a tréplica, com cada um dos cotovelos enfiados em um diferente prato de sopa fria e gordurosa. Sem se deixar abater pelos sujos cotovelos, Tatuíra, o que vive nas areias, tenta dar cabo do que sobrou da sopa com um pedaço de pão velho. Debaixo da mesa, o irmão Sem-Nome tenta tirar a própria cueca pela cabeça, assistido e ajudado pela irmã Sylências, a que fala pelas orelhas. Amarrado, amordaçado e balançando junto ao lustre, ainda se pode ver o caçula Mínimus, pequeno entre os grandes.
Conseguindo passar incólume pelo Irmão Rinus, o Sungulinus, que se encontra acorrentado ao pilar que sustenta o teto, e ainda atrair a atenção dos mestres respectivamente de sua cerveja e/ou orelhas, você poderá perguntar a eles de que, afinal, trata esta brilhante escola filosófica, conhecida também como Peripatéticos Parados.
E eles responderão...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Manifesto

No seio das trevas mais densas se formou uma sociedade de novos indivíduos, que se conhecem sem nunca se terem visto, entendem-se sem que lhes sejam necessárias explicações, mas que se servem cultivando a amizade. Sentia-se a existência de algo pairando no ar, e não era apenas a fumaça dos automóveis ou o barulho da vizinhança. Algo se movia entre o imaginário e o que não existe, entre o irreal e o fictício. Algo vivo – como A’Tuin, a grande tartaruga cósmica, que sustenta os quatro elefantes que trazem nas costas o mundo – mas que esteve sempre oculto...
Segredos e doutrinas que somente aos escolhidos é permitido ignorar, porque mesmo os mais graduados nos segredos temem conhecer realmente algo do que ensinam. O grande e sagrado livro que contém todos os conjuros e encantamentos formadores do universo somente é aberto quando é encontrado. E ninguém jamais o procurou! As hostes manipuladoras do consciente, os arcanos portadores do Místico Legado, após séculos de silenciosa meditação analógica dos Mistérios de Bafomé, na consciência de que a Grande Obra gira em torno de seis selos intactos, e de que só no fim conheceremos o segredo do sétimo, ousaram perguntar: “Quid est veritas?
E a verdade se revelou!
Em uma espelunca malcheirosa, com a mente obnubilada pelos humores dos fermentados de cereais maltados, em meio ao muito da escória humana e ao pouco de sua higiene, pela primeira vez, à luz dos archotes, reuniram-se os dignitários dos últimos e secretíssimos graus da Fraternidade Ignota. Após o sacrifício ritual de duas dúzias de louras, virgens e estupidamente geladas, abriu-se a sessão.
O Sublime Hierógamo das Núpcias Químicas, Lord K-Ryon, com o poder de sua voz de trovão revelou a Sociedade:
“Irmãos, estamos aqui reunidos em nome da Ordem Única, a Fraternidade Ignota, à qual até ontem não sabíeis pertencer e pertencíeis desde sempre! Juremos: anátema sobre os sicofantas do Oculto!”
O Imponderável Arconte dos Labirintos, Venerável Re-K-Nelo, com a voz embargada pelo transe místico e a língua presa ao fundo da boca, proclamou na hora sagrada (5 minutos antes do barman expulsar todos bêbados):
“Proclamam-se agora os preceitos da Irmandade, nunca revelados mas eternamente sabidos:
Vagabundismo Esclarecido - Disse o Sábio: “Trabalhar agora, para depois nunca mais trabalhar”. Em verdade, em verdade, vos é dito que o verdadeiro vagal e a verdadeira vagaba jamais ficam a contemplar o crescimento da grama ou a passagem do relógio, eis que viver mal dá muito trabalho e dinheiro é fundamental para se viver em conforto. O verdadeiro zen-vadio passa suas horas meditando em formas de parecer que trabalha, e às vezes até trabalha, para que possa viver bem e um dia não mais trabalhar. Dizem os Mestres Obscuros: mister que se façam horas e horas de meditação, mas a verdadeira arte é equilibrar a meditação e o trabalho, de forma à receber mais fazendo menos (meditando mais), mas sem perder de vista o mote hieroglífico que reza que, na montanha que se está subindo, o ápice é ter dinheiro suficiente para abandonar definitivamente o trabalho. Sábio é aquele que consegue atingir o ápice sem meditação, através de se encostar em outras pessoas (golpes do baú, cunhado(a) rico, sogro(a) rico e morto(a), loteria), mas estes são espíritos mais elevados, como o Imponderável entre os Imponderáveis Arcontes que vive só do dízimo.
Grandes ou pequenos, redondos ou pontudos, deveis é ser firmes - Disse o Sábio que, em verdade, importa mais a forma firme que o conteúdo. A sabedoria está em compreender que cada um tem um caminho na vida, independentemente do par de montanhas que pretenda galgar. Importa que a montanha seja firme, de forma que seu balanço acompanhe o ritmo do neófito, e que não esteja em ciclo atrasado em decorrência da flacidez. É o Porteiro de Agarttha que alerta: “Ficai vós, ó adeptos, atentos às miragens!” Muitas montanhas prometem, mas, quando vistas a olho nu, comprometem a concentração e a escalada. “Ficai vós atentos, ó iniciados, às falsas montanhas!” Pois, em verdade vos é dito que se a esmola é demais o santo desconfia. Podereis galgá-las, pois é dever e obrigação de todos os recebidos, mas tende em mente que as gêmeas montanhas que guardam os mais reconfortantes prazeres são as de tremores naturais, de toque macio e que sabem a mel.
O Caminho da Retidão e da Altivez - É dito pelo Turiferário do Pêndulo que a obrigação do neófito é manter a altivez, permanecendo no caminho da retidão. Pois se é dado ao homem dominar a natureza, é-lhe também permitido enfrentar a gravidade, ainda que por meio da sagrada pílula azul celeste. “Manter-se reto e altivo, de prontidão para enfrentar as batalhas da vida e morte, lacerando com suas lanças eretas as atiladas couraças que ocultam as graças dos ventres cor de âmbar!”
Sacra Goliae Conphraternita
Venerável Re-K-Nelo – 34
Imponderável Arconte dos Labirintos
Sub-Comandante da Associação Pagã de Moços – APM
Inquisidor Mór do Supremo Tribunal Inquisitorial
Lord K-Ryon – 25
Sublime Hierógamo das Núpcias Químicas
Magister ex Cathedra da Escola Esclarecida dos Peripatéticos Parados - E2P2