quarta-feira, 4 de março de 2009

Manifesto

No seio das trevas mais densas se formou uma sociedade de novos indivíduos, que se conhecem sem nunca se terem visto, entendem-se sem que lhes sejam necessárias explicações, mas que se servem cultivando a amizade. Sentia-se a existência de algo pairando no ar, e não era apenas a fumaça dos automóveis ou o barulho da vizinhança. Algo se movia entre o imaginário e o que não existe, entre o irreal e o fictício. Algo vivo – como A’Tuin, a grande tartaruga cósmica, que sustenta os quatro elefantes que trazem nas costas o mundo – mas que esteve sempre oculto...
Segredos e doutrinas que somente aos escolhidos é permitido ignorar, porque mesmo os mais graduados nos segredos temem conhecer realmente algo do que ensinam. O grande e sagrado livro que contém todos os conjuros e encantamentos formadores do universo somente é aberto quando é encontrado. E ninguém jamais o procurou! As hostes manipuladoras do consciente, os arcanos portadores do Místico Legado, após séculos de silenciosa meditação analógica dos Mistérios de Bafomé, na consciência de que a Grande Obra gira em torno de seis selos intactos, e de que só no fim conheceremos o segredo do sétimo, ousaram perguntar: “Quid est veritas?
E a verdade se revelou!
Em uma espelunca malcheirosa, com a mente obnubilada pelos humores dos fermentados de cereais maltados, em meio ao muito da escória humana e ao pouco de sua higiene, pela primeira vez, à luz dos archotes, reuniram-se os dignitários dos últimos e secretíssimos graus da Fraternidade Ignota. Após o sacrifício ritual de duas dúzias de louras, virgens e estupidamente geladas, abriu-se a sessão.
O Sublime Hierógamo das Núpcias Químicas, Lord K-Ryon, com o poder de sua voz de trovão revelou a Sociedade:
“Irmãos, estamos aqui reunidos em nome da Ordem Única, a Fraternidade Ignota, à qual até ontem não sabíeis pertencer e pertencíeis desde sempre! Juremos: anátema sobre os sicofantas do Oculto!”
O Imponderável Arconte dos Labirintos, Venerável Re-K-Nelo, com a voz embargada pelo transe místico e a língua presa ao fundo da boca, proclamou na hora sagrada (5 minutos antes do barman expulsar todos bêbados):
“Proclamam-se agora os preceitos da Irmandade, nunca revelados mas eternamente sabidos:
Vagabundismo Esclarecido - Disse o Sábio: “Trabalhar agora, para depois nunca mais trabalhar”. Em verdade, em verdade, vos é dito que o verdadeiro vagal e a verdadeira vagaba jamais ficam a contemplar o crescimento da grama ou a passagem do relógio, eis que viver mal dá muito trabalho e dinheiro é fundamental para se viver em conforto. O verdadeiro zen-vadio passa suas horas meditando em formas de parecer que trabalha, e às vezes até trabalha, para que possa viver bem e um dia não mais trabalhar. Dizem os Mestres Obscuros: mister que se façam horas e horas de meditação, mas a verdadeira arte é equilibrar a meditação e o trabalho, de forma à receber mais fazendo menos (meditando mais), mas sem perder de vista o mote hieroglífico que reza que, na montanha que se está subindo, o ápice é ter dinheiro suficiente para abandonar definitivamente o trabalho. Sábio é aquele que consegue atingir o ápice sem meditação, através de se encostar em outras pessoas (golpes do baú, cunhado(a) rico, sogro(a) rico e morto(a), loteria), mas estes são espíritos mais elevados, como o Imponderável entre os Imponderáveis Arcontes que vive só do dízimo.
Grandes ou pequenos, redondos ou pontudos, deveis é ser firmes - Disse o Sábio que, em verdade, importa mais a forma firme que o conteúdo. A sabedoria está em compreender que cada um tem um caminho na vida, independentemente do par de montanhas que pretenda galgar. Importa que a montanha seja firme, de forma que seu balanço acompanhe o ritmo do neófito, e que não esteja em ciclo atrasado em decorrência da flacidez. É o Porteiro de Agarttha que alerta: “Ficai vós, ó adeptos, atentos às miragens!” Muitas montanhas prometem, mas, quando vistas a olho nu, comprometem a concentração e a escalada. “Ficai vós atentos, ó iniciados, às falsas montanhas!” Pois, em verdade vos é dito que se a esmola é demais o santo desconfia. Podereis galgá-las, pois é dever e obrigação de todos os recebidos, mas tende em mente que as gêmeas montanhas que guardam os mais reconfortantes prazeres são as de tremores naturais, de toque macio e que sabem a mel.
O Caminho da Retidão e da Altivez - É dito pelo Turiferário do Pêndulo que a obrigação do neófito é manter a altivez, permanecendo no caminho da retidão. Pois se é dado ao homem dominar a natureza, é-lhe também permitido enfrentar a gravidade, ainda que por meio da sagrada pílula azul celeste. “Manter-se reto e altivo, de prontidão para enfrentar as batalhas da vida e morte, lacerando com suas lanças eretas as atiladas couraças que ocultam as graças dos ventres cor de âmbar!”
Sacra Goliae Conphraternita
Venerável Re-K-Nelo – 34
Imponderável Arconte dos Labirintos
Sub-Comandante da Associação Pagã de Moços – APM
Inquisidor Mór do Supremo Tribunal Inquisitorial
Lord K-Ryon – 25
Sublime Hierógamo das Núpcias Químicas
Magister ex Cathedra da Escola Esclarecida dos Peripatéticos Parados - E2P2

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